O cenário de curto prazo é difícil, com a queda da demanda por alimentos e outros produtos agrícolas, provocada pela pandemia de Covid-19, começando a ameaçar de forma mais intensa alguns segmentos produtivos. Mas as perspectivas para o agronegócio brasileiro continuam positivas para o período pós-crise. A avaliação é do engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, uma das principais referências do setor no Brasil.
“Temos um horizonte brilhante e um futuro promissor para conquistar. Por isso, agora precisamos continuar vivos”, diz o ex-ministro da Agricultura (2003-2006), hoje membro do Conselho Superior do Agronegócio (Cosag), da FIESP. Ele vê o aumento da demanda global por alimentos nos próximos anos e a competitividade dos produtores nacionais como fatores para se apostar na manutenção do protagonismo do agronegócio brasileiro após a pandemia.
Uma das principais prioridades dos produtores neste momento, segundo Rodrigues, deve ser a preservação de caixa. O ex-ministro também defende ações do governo para conter os efeitos da pandemia e das políticas de isolamento social sobre a demanda da população. “Como o crédito bancário privado vai diminuir, serão necessárias políticas oficiais de apoio ao consumo de pessoas de baixa renda que ficaram sem trabalho – o que já está sendo implementado – e de redução de custos financeiros aos produtores, com postergação de pagamentos de impostos e prorrogação de certas dívidas”, afirma.
Rodrigues cita o setor sucroalcooleiro como um dos mais ameaçados pela queda da atividade econômica, mas sustenta que haja uma política de apoio a essa matriz energética durante a crise. “Serão necessárias medidas fortes por parte do governo para não destruir um setor tão importante para o meio ambiente”, afirma, citando como exemplo a instituição de uma contribuição sobre a gasolina e a suspensão da cobrança de PIS/Cofins sobre atividades industriais”, exemplifica.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
- Quais são os maiores desafios que a pandemia da Covid-19 traz para o agronegócio brasileiro?
O maior desafio será atravessar esse período trágico e chegar “vivo” do outro lado, esperando que não dure muito mais tempo. Para isso, será necessário manter o caixa no azul, o que nem sempre será possível. Algumas culturas sofrerão mais que outras, mas de uma maneira geral podemos dizer que certos problemas afetarão todo mundo. Entre eles está o funcionamento dos sistemas de logística e de distribuição da produção. Além de decisões de alguns prefeitos e governadores que dificultam o transporte da produção tendo em vista o abastecimento, há o problema de silos lotados por causa da safra recorde de grãos, e a dificuldade de acesso aos portos. O papel das cooperativas será fundamental nesse ponto.
Outro tema comum para manter o caixa funcionando vai depender de governos: como o crédito bancário privado vai diminuir, serão necessárias políticas oficiais de apoio ao consumo de pessoas de baixa renda que ficaram sem trabalho (o que já está sendo implementado) e de redução de custos financeiros aos produtores, com postergação de pagamentos de impostos e prorrogação de certas dívidas. Será preciso, sobretudo, crédito oficial para manter a atividade.
Mas é essencial manter os empregos. A crise econômica é muito grande, mas não pode ser ampliada por um caos social determinado pelo desemprego maior do que já era antes da pandemia.
- Na sua opinião, quais são os caminhos futuros para o agronegócio, após a Covid-19? Quais as culturas que poderão sair fortalecidas e quais que demandarão maior atenção?
Sobre os caminhos futuros, penso que a “régua” para segurança sanitária vai subir. Portanto, temos que investir muito mais do que estamos fazendo na sanidade animal e vegetal. Quem não fizer isso vai perder mercados. Mecanismos de rastreabilidade e certificação deverão também ser implementados.
Alguns produtores já estão sofrendo prejuízos irrecuperáveis, como é o caso dos floricultores: com a forte redução de eventos, congressos, exposições, festas (até mesmo de casamentos) o mercado de flores despencou. Nos hortifruti, há perdas grandes, mas com maior capacidade de recuperação do que flores.
Mas a cultura mais afetada é a cana de açúcar e a indústria jusante, sobretudo de etanol. O consumo desse combustível caiu muito – fala-se em 70% – de modo que o preço despencou, empurrado também pela brutal redução do preço do petróleo imposta pela Arábia Saudita. O etanol está perdendo competitividade para a gasolina, aí incluído o de milho. Como a safra está para começar no centro-sul, se o assunto não for logo resolvido, não haverá onde estocar o etanol a ser produzido, o que pode levar muitas unidades ao descalabro financeiro.
- Quais as perspectivas para o mercado de açúcar, etanol e energia, pós Covid-19?
A perspectiva para o etanol é sombria. Se o quadro da pandemia se estender por mais dois meses, haverá “choro e ranger de dentes”. Serão necessárias medidas fortes por parte do governo para não destruir um setor tão importante para o meio ambiente. A medida mais evidente é instituir uma Cide sobre a gasolina, e isso é lógico: é para essas crises que a Cide foi criada. Outra é a suspensão da cobrança de PIS/Cofins das unidades industriais. Estes dois pontos seriam provisórios, enquanto durasse a crise. Também será necessário o financiamento de estocagem do etanol, e finalmente seria ótimo se o RenovBio entrasse já em vigor para usarmos os CBios.
Para o açúcar, a crise não tem sido muito perversa ainda, mas as indústrias que podem privilegiar a sua produção em detrimento do etanol vão acabar aumentando a oferta de açúcar. Isso poderá derrubar preços. No final da cadeia produtiva estão os fornecedores da cana que serão os maiores prejudicados. Temos que forçar a exportação de açúcar, até para aproveitar o dólar favorável. Já a energia, com a paradeira provocada pelo vírus, não viverá seus melhores momentos, visto que a demanda será menor do que o normal. O desastre que o setor está sofrendo por causa da dupla coronavírus/petróleo barato destruiu as expectativas de uma excelente safra para este ano.
- Como vê o protagonismo do agronegócio brasileiro no mercado global agora e em futuro breve?
O agronegócio brasileiro tem e continuará a ter um importante protagonismo internamente (seu PIB tem sustentado o nacional, traz superávit à balança comercial e gera empregos todos os anos) e internacionalmente. Estudos da OCDE e do USDA dão conta que, em 10 anos, a oferta mundial de alimentos precisa crescer 20% para não faltar comida para ninguém no mundo todo. Mas também informam que o Brasil tem que ofertar 40% mais alimentos no mesmo período, isto é, o dobro do que crescerá o mundo. Está aí mais do que evidente nosso protagonismo. Mas, além disso, há um dos maiores desafios da humanidade no século XXI, que é compatibilizar a oferta de alimentos para a população crescente, com a preservação dos recursos naturais. Isso se chama sustentabilidade, e é o que fazemos com perfeição na produção agropecuária e no agronegócio. Aliás, o setor agroindustrial canavieiro está na vanguarda dessa característica tupiniquim. Apenas precisamos mostrar claramente para o mundo todo tal vantagem competitiva, e nem sempre estamos conseguindo. Mas está escrito nas estrelas: o Brasil será o campeão mundial da segurança alimentar, e, portanto, da paz, visto que não existirá paz enquanto houver fome.
- Quais as tendências para o relacionamento no campo – uma vez que a Covid-19 tem gerado distanciamento físico entre empresas de insumos, produtores e protagonistas da cadeia produtiva?
Está passando da hora de compreender que o conceito de agronegócio não é e não deve ser meramente acadêmico. É indispensável que as nossas cadeias produtivas trabalhem integradas aqui dentro do Brasil para se integrarem às cadeias globais. Isso é uma questão cultural. Passamos décadas dependendo de ações governamentais, e cada elo de cada cadeia ia buscar suas margens junto ao governo, defendendo seus preços. Isso não era mercado. O atual governo estimula uma atuação liberal das empresas junto aos mercados, o que pressupõe o entendimento entre os elos no interior das cadeias produtivas, em busca da participação equitativa nos resultados. Devemos caminhar nessa direção, assim que esta crise amainar. Temos um horizonte brilhante e um futuro promissor para conquistar. Por isso, agora precisamos continuar vivos. Afinal, o futuro não interessa aos mortos.